Nus Se Terra - Nus Se Komunidadi - Nus Se Adranse - Nossa Herança

.

welcome, bonbiní, bienvenue, ようこそ, bienvenido, selamat datang

.

"Pintura"

Colabore connosco

Salvem a nossa cultura - Salvasang kum nus se kultura - Save our culture

Comunidade Kristang (cristã)

Atravessei o oceano em direcção ao Oriente.
Cheguei a Malaca onde os portugueses atracaram os barcos há 500 anos.
Aqui continuam bravos e orgulhosos das nossas tradições.

BEM VINDOS(as) AO PORTUGUESE SETTLEMENT

A comunidade de Tugu, Jacarta

O Projecto Povos Cruzados - Futuros Possíveis tem sido desenvolvido na base da partilha de informação cultural. Povos, pessoas, comunidades, que se interligam ao longo da nossa história, representando o passado, o presente e evoluindo com o futuro.

Convidámos Sara França, Leitora do Instituto Camões em Jacarta, para escrever sobre a comunidade de Tugu em Jacarta-Indonésia, comunidade de descendentes de Portugueses, que foram para Jacarta de Malaca, Cochim, Ceilão entre outras regiões.



A comunidade de Tugu, Jacarta, por Sara França.

A comunidade de Tugu vive numa aldeia, a nordeste de Jacarta, chamada Tugu. Esta zona de Jacarta é muito caótica, barulhenta e poluída devido à proximidade do portode Tanjung Priok. Este porto é o principal do país, é enorme, com os seus cerca de 430hectares, e tem um tráfego incessante. As estradas desta área de Jacarta têm um trânsitosempre congestionado pelos inúmeros camiões de carga que vão e vêm do porto. Assim, podem imaginar que não é muito fácil nem agradável o caminho até Tugu! No entanto, quando avistamos o pequeno cemitério da aldeia, começamos a relaxar um pouco. Saindo da estrada infernal e transpondo o portão de entrada, soltamos enfim um suspirode alívio e de prazer: chegámos a Tugu. Fico sempre admirada com o aconchego, a limpeza e o encanto daquele lugarejo, afinal tão próximo da estrada infernal mas aomesmo tempo tão distante.

Esquecemo-nos completamente dos camiões, do monóxido de carbono e do bulício enervante de onde viemos e entramos num mundinho à parte, com uma bela igreja branca do século XVII, encimada por telhas vermelhas, ao lado deum cemitério bem cuidado, com uma escola e uma biblioteca (construída com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian), um jardim e muitas árvores de fruto. Continuando mais para Este, mais para dentro, atravessamos o rio Cakung e vamos dar à aldeia propriamente dita: formada por ruelas retas e perpendiculares onde encontramos pequenas moradias com alpendres e vasinhos com flores. Nesta aldeia não vive apenas a comunidade de Tugu, vivem também indonésios de outras partes do arquipélago: das ilhas Celebes, das ilhas Molucas ou doutras regiões de Java.

Neste momento, vocês devem estar a perguntar-se o que é que a comunidade de Tugu terá de especial para eu perder tanto tempo e palavras a descrever a sua aldeia.


Há várias versões da origem da comunidade de Tugu. A mais comum mente aceite éa de que se trata de uma comunidade de descendentes de mestiços Portugueses e de antigos escravos de Portugueses: um grupo de Mardjikers que habitava a então chamada Batavia (nome por que era conhecida Jacarta nos tempos da administração holandesa).

Para compreender quem eram os Mardjikers, é preciso um pouco mais de História.
Jacarta foi conquistada pelos Holandeses em 1619 e grande parte da sua população não era indígena. Inicialmente, vieram habitantes da costa de Coromandel e da costa do Malabar na Índia, recrutados pelos Holandeses para trabalhar como soldados do exército colonial e como guardas para manter a paz em Batavia, impedindo revoltas locais. Estes homens eram apelidados de Mardjikers (termo do sânscrito atribuídono período Hindu a religiosos ou monges que não pagavam impostos), pois estavam isentos de pagar impostos. Mais tarde, surgiram escravos oriundos das ilhas Molucas,que trabalhavam nos navios ou na construção de fortes, estradas e outros projetos. Por bom comportamento ou pelos bons serviços prestados, estes escravos eram muitas vezes libertos – e passavam a ser chamados Mardjikers também, não porquenão pagassem impostos, mas porque eram livres.

Finalmente, depois do declínio do império colonial português no Sudeste Asiático em meados do século XVII, chegaram comerciantes, artesãos e aventureiros oriundos de Malaca, Ceilão, Cochim e Calecute– estes estrangeiros, com mais talento, conhecimento e experiência no convívio com os Europeus, tornaram-se funcionários públicos, proprietários de lojas e empregados em entrepostos comerciais. Socialmente, misturavam-se com os Mardjikers. Estas três levas de emigrantes acabaram por se fundir numa comunidade mais ou menos homogénea durante o século XVII. Eram os chamados “Portugueses Negros”. O que é que estagente – de países e regiões diferentes; de grupos sociais, culturais e profissionais diferentes – tinha em comum? A língua e a religião.


Todas estas pessoas tinham vindo de regiões onde Portugal estivera presente, quer comopotência colonizadora quer apenas como agente comercial, tendo sofrido a influênciada língua, religião e cultura portuguesas. Todas elas adotaram o Português como línguade comunicação e durante quase dois séculos o Português foi efetivamente a língua de comunicação em Batavia: entre Europeus e nativos de diferentes países e mesmo entreos próprios Asiáticos que vinham dos seus diferentes países para Batávia. Ao contrário do que se imaginaria, a religião dos “Portugueses Negros” não era o catolicismo. Todos eles foram convertidos ao Calvinismo em Batávia, devido às imposições rígidas dos Holandeses – que, no entanto, não conseguiram converter-lhes a língua. Os Tugu descendem de um grupo de Mardjikers a quem os Holandeses ofereceram um terreno (onde fica a aldeia de Tugu), em 1661, pelos bons serviços prestados à Companhia das Índias Orientais.

Apesar de todas as vicissitudes, este pequenino enclave manteve vivo um crioulo debase lexical portuguesa, o Papiá Tugu, até 1978 – ano em que morreu Jacob Quiko, o então chefe da comunidade e único falante da língua. Atualmente, esse crioulo sobrevive apenas nas letras das canções de Keroncong que eles cantam. O Keroncong é um tipo de música que nasceu no seio desta comunidade e que é hoje em dia considerado um tipo de música nacional de grande popularidade. A sua origem remonta ao século XVI, quando marinheiros portugueses trouxeram com eles a sua música e instrumentos ao arquipélago indonésio. No entanto, é também possível sentir uns resquícios desse belíssimo crioulo, muito semelhante àquele falado em Malaca, em algumas expressões quotidianas que ficaram cristalizadas e que os membros da comunidade ainda usam.

Os Tugu são protestantes. Fazem questão de assumir e exibir a sua diferença relativamente aos “outros”. Orgulham-se da sua ascendência portuguesa, gostam de beber vinho, de comer carne de porco, dançam aos pares, falam com brio da sua fisionomia europeia e dos seus narizes longos, riem-se desbragadamente e dão-se acomentários brejeiros (o que contrasta imenso com a cultura javanesa que preza a moderação e a cerimónia) e adoram conviver, cantar e dançar.

Em 2008, a então Leitora do Instituto Camões em Jacarta, Maria Emília Irmler, criou – com a assistência de uma jovem indonésia que aprendera danças tradicionais portuguesas em Macau, a Pipita – um grupo de danças tradicionais portuguesas constituído por membros da comunidade.

São os Romeiros de Tugu.

Finalizemos, então, com uma canção de Keroncong chamada “Kafrinju”, que fala sobre uma mestiça portuguesa de Goa, cantada em crioulo de Tugu pelo chefe da comunidade: Andre Michiels.


Deixo-vos, também, a belíssima letra da canção de Keroncong “Moresco”, considerada uma canção do folclore português do século XVI, em crioulo e em português.



Um abraço de Malaca para a comunidade de Tugu.
Obrigada Sara por este testemunho.
Muitas Mercês.


©Projecto Povos Cruzados - Futuros Possíveis © TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © ALLRIGHTS RESERVED

4 comentários:

  1. Muitas mercês Sara, muitas mercês Cátia pela divulgação desse longe tão próximo de nós, mas ignorado pela maioria.

    Gostei muito também de a ver e ouvir, Cátia, no programa do Cadilhe. Soube a pouco. A experiência que está a viver merecia um doc. inteiro.:)

    ResponderEliminar
  2. Cátia, não será possível a Sara França colocar a música dessse «moresco»? No Bairro Português também há uma melodia com este nome, mas não a ouvi cantar com letra, apenas a toquei com Noel Felix e amigos do grupo da Marina, por aquela juventude e aquele senhor na «rebana», um senhor já de idade, que «puxava trixó», creio. Dá as minha saudações a todos. José Machado

    ResponderEliminar
  3. Felizmente já conhecia esta história impressionante da comunidade de Tugo pois foi-me contada pela propria Sara quando estive em Jacarta com o navio Escola Sagres, no entanto não foi por isso que li este artigo com menos interesse
    Também tive oprtunidade de conviver um pouco com os prórios Tugus que cantaram a bordo.
    Parabéns a Sara pelo seu trabalho!

    ResponderEliminar
  4. Olá Mestre José Costa!
    Infelizmente, ainda não consegui a música "Moresco" (já a pedi aos Tugu mas ainda não ma enviaram). Quanto a ter ouvido uma música com o mesmo nome em Malaca, é possível. Talvez nem seja a mesma. É que "moresco" era também um tipo de música dos tempos da expansão portuguesa na Ásia, como "fado" ou "keroncong", supostamente de raízes lusas mestiças. Quando os Tugu me enviarem a música "Moresco" cuja letra postei, darei sinal! :-)



    Olá José Luís :-) Obrigada pelo comentário! Não me lembrava que tivesse contado esta história a alguém do navio Sagres, mas lá está - se calhar já tinha bebido uns copitos de vinho a mais e esqueci-me! ;-P


    Sara.

    ResponderEliminar