(continuação)
Agosto de 2010
Por Mário Breda - viajante português em Malaca
E já parti ao fim da tarde, muito mais tarde do que prometera, na minha bicicleta, em direcção ao Bairro Português. Segundo os meus dados, situava-se a uns 3 km a sul da cidade junto ao mar. Parecia ser muito fácil. Mas Malaca é grande, tem muitas estradas e vias rápidas à sua volta, não foi nada fácil pedalar até lá. Pareceram-me muitos mais km.
Finalmente começo a ver a indicação "Portuguese Settlement" e lá cheguei.
É aqui neste bairro, já fora da cidade, que tem vivido a comunidade de origem portuguesa.Agosto de 2010
Por Mário Breda - viajante português em Malaca
E já parti ao fim da tarde, muito mais tarde do que prometera, na minha bicicleta, em direcção ao Bairro Português. Segundo os meus dados, situava-se a uns 3 km a sul da cidade junto ao mar. Parecia ser muito fácil. Mas Malaca é grande, tem muitas estradas e vias rápidas à sua volta, não foi nada fácil pedalar até lá. Pareceram-me muitos mais km.
Finalmente começo a ver a indicação "Portuguese Settlement" e lá cheguei.
A rua principal do bairro é ampla, tem boas casas e bem cuidadas. Passo sob a arcada que ainda convida os visitantes para as "Festa San Juang Festa San Pedro 23-29 June 2010". As festas de São João e São Pedro já tinham passado há um mês mas o arco lá continuava erguido, recebendo os visitantes. Juntamente com o Natal, estes são os maiores festejos do ano. Durante uma semana há procissões, bênção de barcos, arraiais, folclore. Festa de arromba. Como também o são as festas de casamento e outros rituais que dão força e identidade a esta comunidade.
Entrada da Praça PortuguesaDepois encontro-me com a Bárbara e outra amiga, a Luísa, que também está de visita nesse dia. Veio de Bangkok onde trabalha. E também a Pralom, jovem tailandesa que fala muito bem Português e é amiga da cultura portuguesa. Paramos para conversar com várias pessoas.
A Bárbara conhece todos e fala-lhes no seu dialecto, maneira de "papiar" Português (ou Cristang) a que chamam "Malacan Portuguese". Não é difícil entendermo-nos. Quando o Português de lá e de cá não se entendem muito bem, usamos o Inglês e a conversa flui naturalmente. Algumas das bandeiras portuguesas que tinha levado ofereço-as a algumas destas pessoas que as recebem com enorme orgulho.
O dialecto, derivado do Português antigo, que esta comunidade fala (para além do Malaio e do Inglês) faz-me lembrar o crioulo cabo-verdiano mas sinto que está muito mais próximo do Português que falamos em Portugal. Quase todas as palavras que ouço têm semelhança com palavras actuais ou antigas conhecidas, embora pronunciadas com um sotaque oriental. E se nós falarmos pausadamente e abertamente também nos conseguem entender em quase tudo. A Bárbara que o diga, já que é a única pessoa portuguesa a viver na comunidade, a dar aulas de Português e a desenvolver outras actividades com a comunidade, e que já fala o dialecto local. Depois jantamos "pessi" na esplanada de um restaurante, na grande Praça de Portugal, ali ao lado do mar e do passeio marítimo, tudo num espaço muito bem equipado e moderno.
A mesa enche-se com pratos de caranguejo grande, lulas e outros pratos com peixe cozinhado de várias maneiras, à moda "portuguese". Conversamos muito ao jantar, acompanhados agora pelo Sr. Michael Banerji e por outro elemento da comunidade, o Sr. Nagei Jothi, local e interessado em ouvir e conhecer o Português de Portugal. Tanto um como outro não nasceram no Bairro mas casaram com raparigas dali e logo se "converteram". De facto, quem entra nesta comunidade fica seduzido e vinculado, tal a força da sua identidade e das suas tradições.
E torna-se mais um "Portuguese". É importante clarificar este conceito. E lembro-me desta explicação do Michael. Quando os turistas na cidade de Malaca perguntam "Where are the Portuguese?" e depois vêm visitar o Bairro, colocam a questão outra vez, por não verem nenhum português de feições brancas, "But where are the Portuguese?". E a resposta é "We are the Portuguese" e os turistas lá se resignam à evidência, embora perplexos. De facto, ao longo destes séculos de casamentos mistos, os descendentes dos Portugueses (idos de Portugal mas também de África e da Índia) são aquele povo especial, de feições morenas e alguns traços mais ou menos latinos. Mas nunca usam expressões do género "descendentes de portugueses" ou "euro- asiáticos", dizem sempre "Portugueses".
Afinal o que é ser Português ? Tornou-se muito claro para mim nesse dia. Não é coisa que se descreva, é coisa que se sente. Porque os pais também eram e os avós também. É-se e pronto. Embora essa expressão antes me parecesse forçada, agora que a compreendi também eu vou passar a dizer "Portugueses de Malaca".
Pergunto-me como se pode explicar que uma comunidade de cerca de 2600 pessoas (com outros milhares espalhados pelo resto do país e que se mantêm fieis às suas origens) se tenha conservado ao longo de vários séculos com uma forte identidade que se sustenta se manifesta na língua que falam, na religião católica que praticam, nas festas e rituais etnográficos.
Pergunto-me como se pode explicar que uma comunidade de cerca de 2600 pessoas (com outros milhares espalhados pelo resto do país e que se mantêm fieis às suas origens) se tenha conservado ao longo de vários séculos com uma forte identidade que se sustenta se manifesta na língua que falam, na religião católica que praticam, nas festas e rituais etnográficos.
Também poderia haver um "Dutsh Settlement" ou um "English Settlement", já que estes povos estiveram ainda mais tempo e mais recentemente. Mas não há. É uma situação única.
A que se deve ? Quando a cidade foi conquistada pelos holandeses em 1641, talvez a população portuguesa, em grande parte já ali nascida, se tenha concentrado nesta comunidade afastada do centro da cidade. Sendo uma cidade tão importante na época, talvez a população portuguesa fosse em grande número. Talvez nunca ninguém os tenha proibido de falar Português e de praticar o culto católico, numa terra de muçulmanos e de ocupantes calvinistas. Talvez a forte identidade linguística, religiosa e etnográfica deste povo tenha permitido reforçar o seu sentido comunitário perante a passagem de vários ocupantes e regimes.
E por tudo o que senti e aprendi naquele dia em Malaca, "Mutu grandi merseh" a todos vós:
Bárbara, Michael, Nagei e outros amigos de quem não recordo o nome. Quando voltar a Malaca, porque também eu fiquei contagiado, já sei que tenho de ficar muitos dias, porque poucos não chega para tanto.
E por tudo o que senti e aprendi naquele dia em Malaca, "Mutu grandi merseh" a todos vós:
Bárbara, Michael, Nagei e outros amigos de quem não recordo o nome. Quando voltar a Malaca, porque também eu fiquei contagiado, já sei que tenho de ficar muitos dias, porque poucos não chega para tanto.
E o prometido é devido.
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